sábado, 1 de março de 2014


                                          

                  os avanços da ciência da alma

Uma pesquisa inédita usa equipamentos de última geração para investigar o cérebro dos médiuns durante o transe. As conclusões surpreendem: ele funciona de modo diferente.

 

Estávamos no mês de julho de 2008. Na Rua 34 da cidade da

 Filadélfia, nos Estados Unidos, num quarto do Hotel Penn Tower,

 um grupo seleto de pesquisadores e médiuns preparava-se para
 
algo inédito. Durante dez dias, dez médiuns brasileiros se

colocariam à disposição de uma equipe de cientistas do Brasil e dos

 EUA, que usaria as mais modernas técnicas científicas para

 investigar a controversa experiência de comunicação com os

mortos. Eram médiuns psicógrafos, pessoas que se identificavam

 como capazes de receber mensagens escritas ditadas por espíritos,

 seres situados além da palpável matéria que a ciência tão bem

reconhece. O cérebro dos médiuns seria vasculhado por

equipamentos de alta tecnologia durante o transe mediúnico e fora

 dele. Os resultados seriam comparados. Como jornalista, fui

convidada a acompanhar o experimento. Estava ali, cercada de um

 grupo de pessoas que acreditam ser capazes de construir pontes

com o mundo invisível. Seriam eles, de fato, capazes de tal

engenharia?
A produção de exames de neuroimagem (conhecidos como

tomografia por emissão de pósitrons) com médiuns psicógrafos em

 transe é uma experiência pioneira no mundo. Os cientistas Julio

Peres, Alexander Moreira-Almeida, Leonardo Caixeta, Frederico

 Leão e Andrew Newberg, responsáveis pela pesquisa, garantiam o

 uso de critérios rigorosamente científicos. Punham em jogo o peso

 e o aval de suas instituições. Eles pertencem às faculdades de

medicina da Universidade de São Paulo, da Universidade Federal

de Juiz de Fora, da Universidade Federal de Goiás e da

Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia. Principal autor do

estudo, o psicólogo clínico e neurocientista Julio Peres, pesquisador

 do Programa de Saúde, Espiritualidade e Religiosidade (Proser),

do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP,

acalentava a ideia de que a experiência espiritual pudesse ser

 estudada por meio da neuroimagem.
Pela primeira vez, o cérebro dos médiuns foi investigado com os recursos modernos da neurociência
 
Em frente ao Q.G. dos médiuns no Hotel Penn Tower, o laboratório

 de pesquisas do Hospital da Universidade da Pensilvânia estava

pronto. Lá, o cientista Andrew Newberg e sua equipe aguardavam

 ansiosos. Médico, diretor de Pesquisa do Jefferson-Myrna Brind

Centro de Medicina Integrativa e especialista em neuroimagem de

experiências religiosas, Newberg é autor de vários livros, com

 títulos como Biologia da crença e Princípios de neuroteologia.

Suas pesquisas são consideradas uma referência mundial na área.

 Ele acabou por se tornar figura recorrente nos documentários que

tratam de ciência e religião. Meses antes, Newberg escrevera da

Universidade da Pensilvânia ao consulado dos EUA, em São Paulo,

 pedindo que facilitasse a entrada dos médiuns em terras

americanas. O consulado foi prestativo e organizou um arquivo

especial com os nomes dos médiuns, classificando-o como

“Protocolo Paranormal”.
“É conhecido o fato de experiências religiosas afetarem a atividade

 cerebral. Mas a resposta cerebral à mediunidade, a prática de

supostamente estar em comunicação com ou sob o controle do

espírito de uma pessoa morta, até então nunca tinha sido

 investigada”, diz Newberg. Os cientistas queriam investigar se

havia alterações específicas na atividade cerebral durante a

psicografia. Se houvesse, quais seriam? Os dez médiuns, quatro

homens e seis mulheres, participavam do experimento

voluntariamente. Foram selecionados no Brasil por meio de uma

 longa triagem. Entre os pré-requisitos, tinham de ser destros,

saudáveis, não ter nenhum tipo de transtorno mental e não usa

r medicações psiquiátricas. Metade dos voluntários dizia carregar

décadas de experiência no “intercâmbio espiritual”. Outros, menos

experientes, apenas alguns anos.
Na Filadélfia, antes de a experiência começar, os médiuns passaram

 por uma fase de familiarização com os procedimentos e o ambiente

 do hospital onde seriam feitos os exames. O experimento só daria

 certo se os médiuns estivessem plenamente à vontade. Todos se

 perguntavam se o transe seria possível tão longe de casa, num

 hospital em que se podia perguntar se Dr. Gregory House, o

personagem de ficção interpretado pelo ator inglês Hugh Laurie,

não apareceria ali a qualquer momento.

 
Numa sala com aviso de perigo, alta radiação, começaram os

 exames. Por meio do método conhecido pela sigla Spect (Single

Photon Emission Computed Tomography, ou Tomografia

Computadorizada de Emissão de Fóton Único), mapeou-se a

atividade do cérebro por meio do fluxo sanguíneo de cada um dos

médiuns durante o transe da psicografia. Como tarefa de controle, o

 mesmo mapeamento foi realizado novamente, desta vez durante a

escrita de um texto original de própria autoria do médium, uma

redação sem transe e sem a “cola espiritual”. Os autores do estudo

 partiam da seguinte hipótese: uma vez que tanto a psicografia

como as outras escritas dos médiuns são textos planejados e

inteligíveis, as áreas do cérebro associadas à criatividade e ao

planejamento seriam recrutadas igualmente nas duas condições.

Mas não foi o que aconteceu. Quando o mapeamento cerebral das

 duas atividades foi comparado, os resultados causaram espanto.
Segundo a pesquisa, a mediunidade pode ser considerada uma manifestação saudável
 
Surpreendentemente, durante a psicografia os cérebros ativaram

menos as áreas relacionadas ao planejamento e à criatividade,

embora tenham sido produzidos textos mais complexos do que

aqueles escritos sem “interferência espiritual”. Para os cientistas,

isso seria compatível com a hipótese que os médiuns defendem: a

autoria das psicografias não seria deles, mas dos espíritos

comunicantes. Os médiuns mais experientes tiveram menor

atividade cerebral durante a psicografia, quando comparada à

 escrita dos outros textos. Isso ocorreu apesar de a estrutura

narrativa ser mais complexa nas psicografias que nos outros textos,

 no que diz respeito a questões gramaticais, como o uso de sujeito,

verbo, predicado, capacidade de produzir texto legível,

compreensível etc.
Apesar de haver várias semelhanças entre a ativação cerebral dos

médiuns estudados e pacientes esquizofrênicos, os resultados

 deixaram claro também que aqueles voluntários não tinham

 esquizofrenia ou qualquer outra doença mental. Os cientistas

 afirmam que a descoberta de ativação da mesma área cerebral

sublinha a importância de mais pesquisas para distinguir entre a

 dissociação (processo em que as ações e os comportamentos

fogem da consciência) patológica e não patológica. Entre o que é e

o que não é doença, quando alguém se diz tocado por outra

 entidade. Os médiuns estudados relataram ilusões aparentes,

alucinações auditivas, alterações de personalidade e, ainda assim,

foram capazes de usar suas experiências mediúnicas para tentar

 ajudar os outros. Pode haver, portanto, formas saudáveis de

dissociação. Uma das conclusões a que os cientistas chegaram é

 que a mediunidade envolve um tipo de dissociação não patológica,

 ou não doentia. A mediunidade pode ser uma expressão comum à

natureza humana. Essas conclusões, que ÉPOCA antecipa na

edição que chegou às bancas na sexta-feira (16), foram divulgadas

na revista científica americana Plos One. O estudo Neuroimagem

durante o estado de transe: uma contribuição ao estudo da

dissociação tem acesso gratuito desde sexta-feira, dia 16, no

endereço eletrônico: dx.plos.org/10.1371/journal.pone.0049360.













Colaboração de Célia Regina


 

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